sábado, 13 de abril de 2013

XADREZ, O JOGO MILENAR

por Edu Frazão

O jogo de xadrez surgiu na Índia e foi difundido pela Pérsia, Arábia, outras regiões asiáticas e então por toda a Europa. Sua “infância” na Índia parece ter sido registrada nos documentos em sânscrito, em narrativas que apontam o período entre 3.400 e 2.400 a.C. como o mais provável para seu “nascimento”. Neste primeiro artigo da Coluna do Rei, vamos fazer um passeio pela estrada que leva ao surgimento do jogo de tabuleiro mais popular do mundo.

O xadrez moderno foi minuciosamente esculpido em pedra bruta. Suas formas e regras são consideradas tão perfeitas pelos mais de 600 milhões de adeptos ao redor do mundo que qualquer proposta de mudança tem sido imediatamente refutada desde o século XV, quando as últimas modificações foram inseridas no jogo. Sua origem sempre foi cercada de muita controvérsia e fábulas maravilhosas mas em 1860, o professor de línguas orientais de King’s College London, Duncan Forbes, publicou seu livro intitulado The History of Chess. Nesta obra compilou e completou os estudos sobre os textos em sânscrito que relatam sobre um antigo jogo de guerra hindu chamado chaturanga. Forbes usou seu inigualável conhecimento sobre sânscrito, e também sobre o jogo, para concluir que as narrativas hindus sobre o chaturanga são os mais antigos textos a mencionar princípios e formas que se assemelham ao xadrez que é jogado nos dias de hoje. Sua origem exata, como o ano ou pessoa que o inventou, está perdida nas profundezas da antiguidade remota mas estima-se que tenha surgido entre os séculos XXXIII e XXIII a.C..

O tabuleiro do chaturanga era praticado por quatro pessoas e as peças eram diferentes em número, forma e movimentação. No idioma nativo hindu, chaturanga significa quatro tipos de forças, representadas pelas peças no tabuleiro e baseadas nas divisões militares da Índia antiga: rei, elefante (representante da atual torre), cavalo, navio (mais tarde biga e então bispo) e infantaria, formada por quatro peões. Quatro agrupamentos destas peças com cores distintas (verde, amarelo, preto e vermelho), um para cada jogador, eram posicionados nos quatro lados do tabuleiro. Jogadores de lados opostos eram aliados contra os outros dois. O fator sorte era dominante já que a peça a ser movida era decidida num lance de dado. A habilidade mental do jogador no decorrer da partida era, portanto, forçadamente coadjuvante. A natureza peculiar deste embrião do xadrez foi explicada em detalhes no livro do professor Forbes mas uma das regras mais interessantes era a possibilidade de captura dos reis.

Representação gráfica dos tabuleiros de chaturanga e shatranjrespectivamente. 
Fontes: history.chess.free.fr; www.iggamecenter.com
Forbes classificou a história do xadrez em três períodos distintos: 1) o do chaturanga, que vai do século XXXIII a.C. até o século VI d.C.; 2) o medieval, que vai do século VI ao XVI d.C., e 3) o moderno, que vai do século XVI até a atualidade. O período do xadrez medieval começou com a introdução do jogo na Pérsia, sob o nome de shatranj. Neste período observaram-se as primeiras mudanças no jogo. Os exércitos de lados opostos foram unificados num mesmo lado do tabuleiro e um dos reis aliados tornou-se subordinado. Esta nova peça foi chamada pelos persas e árabes de farzin ou wazir, que significa conselheiro ou ministro, e passou a ter apenas metade da força original de soberano independente. Era o precursor da rainha na versão moderna do jogo mas ainda com capacidade de ataque bem limitada; era mais fraco que os peões ao passo que só podia ser movido a uma casa por vez em diagonal. O bispo e a torre assumiram sua posição definitiva no jogo como conhecemos hoje e o dado foi completamente dispensado. O jogo se transformou numa disputa de puro poder mental e habilidade intelectual.

Quando o shatranj foi introduzido na Europa por comerciantes persas no século XI, o farzin foi substituído pela rainha, numa visão mais romântica da peça. Mas somente no final do século XV, através de uma grande mudança de curso nas regras do xadrez, é que a rainha adquiriu habilidade de movimento livre ao longo de colunas e diagonais e se tornou a peça mais forte do jogo. Esse xadrez moderno trouxe ainda outras mudanças importantes, como a extensão do movimento do bispo, que agora alcançaria toda a diagonal de sua cor num mesmo lance, e dos peões, que passariam a avançar uma ou duas casas em seu primeiro lance. Outra adição interessante foi o roque, que na tradução do Inglês castling the king significa encastelar o rei, protegendo-o numa espécie de dança com a torre. É interessante notar que o professor Forbes profetizou em seu livro, escrito no século XIX d.C., que com o tempo a rainha absorveria também as características do cavalo. Esta mudança nunca ocorreu.

Tabuleiro e peças do jogo de xadrez moderno. 

Fonte: http://worldwidechesssets.com
As novas regras aceleraram o jogo e intensificaram a batalha, ao passo que o menor erro agora poderia resultar em xeque-mates mais violentos. As mudanças foram provavelmente fruto de experimentação coletiva e então padronizadas ainda no século XVI com o advento da impressão em massa. O jogo mais acelerado facilitou a organização, anotação, codificação das regras e produção de livros de estratégia. O xadrez é hoje vastamente praticado e possui um campeonato mundial de prestígio organizado pela FIDE (Organização Mundial de Xadrez). É uma atividade estimulada em escolas do mundo inteiro por seu papel no desenvolvimento social e intelectual de crianças e jovens. Estas e muitas outras nuances do jogo serão abordadas semanalmente em nossa coluna.

Até lá!

4 comentários:

Unknown disse...

O jogo [de xadrez] com olhos vendados contém tudo: poder de concentração, nível de instrução, memória visual, para não mencionar também o talento estratégico, a paciência, a coragem, e muitas outras faculdades. Se fosse possível ver o que se passa na cabeça de um enxadrista, iríamos descobrir um irrequieto mundo de sensações, imagens, movimentos, paixões e um panorama sempre mutante de estados de consciência. As nossas mais precisas descrições, comparadas às deles, não passam de esquemas grosseiramente simplificados.

Alfred Binet (1857–1911), pedagogo, psicólogo e o inventor do Teste de QI, aplicou testes psicológicos para entender como funciona a mente dos grandes mestres de xadrez.

Unknown disse...

Samanta, que citação esplêndida! Descreve com perfeição a mente do enxadrista. Me remeteu ao magnífico documentário "Bobby Fischer Contra o Mundo". No filme, um dos pontos discutidos é a capacidade que Bobby tinha, assim como outros grandes gênios da história, de "pensar fora da caixa". Pessoas assim fazem grandes descobertas. O problema, como foi o caso de Bobby Fischer, é voltar a "pensar dentro da caixa". Ele acabou "afogado" em suas paranoias e nos deixou "órfãos" ao parar de jogar xadrez.
Obrigado pela sua participação e seja sempre bem-vinda à Coluna do Rei.

Anônimo disse...

Muito bom o artigo, informativo e de boa qualidade! Parabéns!

Unknown disse...

Obrigado, Mariana! Seja bem-vinda sempre.