por Edu Frazão
Bobby Fischer foi certamente o
maior gênio que o mundo do xadrez já conheceu. Mas proporcional à admiração que
conquistou foi a decepção que provocou quando prematuramente parou de jogar aos
29 anos, logo após conquistar o título mundial de 1972. A maestria com que
dominava as combinações no tabuleiro foi nublada por uma enxurrada de
pensamentos paranoicos que o impediram de fazer o que se dedicara a vida
inteira: magia com o tabuleiro de xadrez.
Robert James Fischer nasceu em 9 de março de 1943 na cidade de Chicago, Illinois, EUA. Filho de pais separados (mãe suíça e pai alemão), aos seis anos mudou-se para Nova York, onde aprendeu os primeiros movimentos do jogo com sua irmã mais velha Joan. Teve evolução enxadrística discreta até 1955, mas conseguiu melhorar seu jogo e ascender em categoria quando se filiou ao Clube de Xadrez de Manhattan. Em 1956, aos 13 anos, teve sua primeira grande participação no Campeonato Norte-Americano de Xadrez para Amadores, conseguindo a 11ª colocação entre 88 inscritos. Desde então seu crescimento foi notável ao passo que não parava de competir e sustentava uma tremenda paixão e vontade de aprender.
Robert James Fischer nasceu em 9 de março de 1943 na cidade de Chicago, Illinois, EUA. Filho de pais separados (mãe suíça e pai alemão), aos seis anos mudou-se para Nova York, onde aprendeu os primeiros movimentos do jogo com sua irmã mais velha Joan. Teve evolução enxadrística discreta até 1955, mas conseguiu melhorar seu jogo e ascender em categoria quando se filiou ao Clube de Xadrez de Manhattan. Em 1956, aos 13 anos, teve sua primeira grande participação no Campeonato Norte-Americano de Xadrez para Amadores, conseguindo a 11ª colocação entre 88 inscritos. Desde então seu crescimento foi notável ao passo que não parava de competir e sustentava uma tremenda paixão e vontade de aprender.
Bobby Fischer aos 14 anos |
Dos 13 aos 14 anos conquistou os três maiores torneios dos EUA e tornou-se grandemente temido apesar da pouca idade. O título nacional garantiu vaga no Interzonal de 1958, ano de sua maturação enxadrística. Ele perdeu apenas duas partidas: uma contra o húngaro Pal Benko (30) e outra contra o islandês Friðrik Ólafsson (23), terminando apenas 1,5 pontos atrás de outro grande jogador, o soviético Mikhail Tal (22). O quinto lugar obtido o levou ao Torneio de Candidatos de 1958 e ao título de Grande Mestre Internacional com apenas 15 anos. Sua fama se espalhara como um vírus por toda a Europa e Américas; todos queriam se infectar. Choviam convites para participar de torneios no mundo inteiro e a regularidade de suas partidas o levaram à primeira vitória sobre um Grande Mestre soviético em 1959: Paul Keres (43). No entanto, a ascensão do menino de 16 anos no Torneio de Candidatos foi aniquilada pelo gênio de Mikhail Tal, que o venceu por 4-0 no embate individual.
Bobby Fischer enfrentando Viktor Korchnoi pelo Interzonal de 1962. |
Nos anos que se seguiram, o jovem
Grande Mestre enfrentou e derrotou os melhores do mundo, com destaque para
a conquista do Interzonal de 1962 com dois pontos de vantagem sobre os
soviéticos Efim Geller (37), Tigran Petrosian (33) e Viktor Korchnoi (31). Seu
quarto lugar no Torneio de Candidatos de Curaçao trouxe uma polêmica à tona.
Bobby acusou os soviéticos de jogarem em equipe (Petrosian, Geller,
Korchnoi e Tal) para favorecerem uns aos outros. De fato, um grande número de
empates ocorreu entre eles e no final viu-se uma surpreendente série de três
derrotas de Korchnoi para seus colegas, deflagrando a vitória de
Tigran Petrosian. Com a denúncia, uma deliberação da Organização Mundial de Xadrez (FIDE) modificou as regras
da disputa e o torneio passou a ser jogado em matches individuais eliminatórios.
Os anos seguintes continuaram a
mostrar a evolução de duas constantes na carreira de Bobby: sede de
vitória e polêmica. Entre os anos de 1963 e 1969 registraram-se algumas
situações interessantes. A primeira delas ocorreu em 1964, quando decidiu
fincar um hiato em sua carreira, não disputando qualquer torneio naquele ano.
Em 1967 abandonou, por motivos religiosos, o Torneio Interzonal após 10 rodadas
bem sucedidas. Ficou mais nove meses sem disputar qualquer partida de xadrez e
quando retornou voltou a vencer. Mas em 1968 abandonou outro torneio, desta vez
a Olimpíada da Suíça. O motivo foi a recusa de suas exigências pela organização
do evento. Em 1969 não disputou qualquer torneio, incluindo o Campeonato
Americano, o que o deixou de fora do ciclo pela disputa do mundial. Em 1970
Fischer venceu o famoso "Match do Século", onde o time dos soviéticos
enfrentou uma equipe formada por jogadores de todo o mundo; participaram deste
torneio 12 jogadores de primeira linha. Ele venceu e ficou nada menos do que
4,5 pontos na frente do segundo colocado, Mikhail Tal (34).
O jovem G.M. brasileiro, Mequinho. |
Bobby iniciou nova escalada de
vitórias incontestáveis. Venceu o importante torneio Roving-Zagreb, com 2
pontos de vantagem sobre Korchnoi (39) , Gligorić (47), Smyslov (49) e
Hort (26), e 2,5 sobre Petrosian (41). Em seguida venceu o Torneio de Buenos
Aires, em que empatou apenas quatro das 17 partidas, sendo uma delas contra o
primeiro Grande Mestre brasileiro, Henrique da Costa Mecking (18), o Mequinho
(foto ao lado). Abaixo reproduzimos esta partida contra o notável jogador
brasileiro.
O título mundial nunca esteve tão
ao alcance das habilidades de Bobby, mas havia um problema. Por ter desistido
de disputar o Campeonato Americano de 1969, ele não conseguiu a vaga para o
Interzonal de 1970. Sendo assim, a federação americana enviou uma petição à
FIDE para incluir o nome de Bobby no torneio. A vaga dependeria de uma
desistência de qualquer participante e Paul Benko aceitou uma proposta
financeira da federação americana para ceder seu lugar. A FIDE concordou com a
substituição e Bobby simplesmente desmontou seus adversários no torneio com uma
vantagem histórica de 3,5 pontos em 15 vitórias, sete empates e uma derrota
(para o dinamarquês Bent Larsen, de 35 anos). No Torneio dos Candidatos de
1971, Bobby protagonizou uma exibição cinematográfica. Nas quartas-de-final
disputadas em Vancouver, Canadá, ele humilhou o soviético Mark Taimanov (45)
por nada menos que 6-0.
Fischer vs. Petrosian: Torneio dos Candidatos de 1971. |
O
mundo aguardava ansiosamente o dia 2 de julho de 1972 para o
confronto do século entre o desafiante americano Bobby Fischer (29) e o então
campeão mundial, o soviético Boris Spassky (35), pelo título mundial de xadrez.
Muitos países enviaram suas propostas financeiras para sediar o match, inclusive
o Brasil. Por fim, após longas e polêmicas discussões, o torneio foi realizado
em Reykjavik, na Islândia. Na posição de estrela máxima do espetáculo, e às
vésperas da abertura oficial da disputa, Bobby exigiu que 30% do arrecadado com
a transmissão do match fosse repassado ao futuro campeão. A
organização não aceitou e à cerimônia de abertura Bobby nem sequer tinha
embarcado para a Iugoslávia. O suspense aumentou quando faltavam apenas 10
horas para a primeira partida e o paradeiro do campeão americano era um
mistério. Faltando cinco horas, em vista do não pronunciamento de Bobby, o
presidente da FIDE e ex-campeão mundial Max Euwe (71) anunciou que adiaria em 48 horas o início do match. Mas a frustração tomou
conta dos entusiastas do mundo inteiro e dos três mil pagantes que assistiriam
ao vivo às partidas no Exhibition
Hall do Palácio de Desportos
de Reykjavik, quando até o dia 3 de julho não havia qualquer sinal de que Bobby
jogaria. Neste mesmo dia, um homem que merece ser lembrado para sempre pelas
consequências de seu ato, o banqueiro londrino James Slater, ofereceu a farta
quantia de 125.000 dólares para Bobby Fischer finalmente jogar. Fischer aceitou e embarcou imediatamente para a Islândia. Curiosamente no dia da independência americana, Bobby Fischer chegou a Reykjavik. Entretanto, trâmites entre a federação soviética e a FIDE sobre as consequências do atraso de Bobby levaram a um novo adiamento do match. Finalmente, às 18:05h de 11 de julho de 1972, com atraso (quiçá estratégico) de 5 minutos por parte de Bobby, o match do século começou.
Bobby Fischer (direita) enfrentando Boris Spassky pelo Campeonato Mundial de Xadrez em 1972. |
O confronto foi inacreditável,
uma vez que Bobby perdeu dois pontos logo nas duas primeiras partidas: perdeu a
primeira partida e não compareceu à segunda. Rumores apontavam para uma
desistência de Bobby, mas ele voltou forte para a terceira partida. Com uma
agressividade e imaginação impressionantes, Bobby Fischer ofereceu à eternidade
uma de suas melhores partidas, de acordo com o comentarista do evento e Mestre
Internacional espanhol Román Torán. Abaixo reproduzimos a partida, em que Bobby venceu jogando com peças pretas.
As novidades teóricas de Fischer
desmontaram a preparação de oito meses de Spassky. A segunda vitória, e
consequente retomada da igualdade no match (2,5-2,5), veio logo na quinta
partida. Mas foi em sua sexta partida que Fischer presenteou a plateia, e todo
o mundo, com uma sinfonia genial de combinações. A partida é verdadeiramente
uma pérola, onde Fischer minuciosamente priva Spassky de seus movimentos até um
inescapável estrangulamento para fazer 3,5-2,5 e virar o match. Bobby, que nunca havia jogado o Gambito da Dama com as brancas, o fez
justamente num match pelo campeonato mundial e desconcertou o campeão soviético.
Ao fim da partida, tamanho foi o esplendor da batalha, Spassky assumiu o lugar
de espectador/admirador e levantou-se para aplaudir seu adversário. Uma atitude
de um verdadeiro gentleman por parte do campeão do mundo
e de quem VERDADEIRAMENTE aprecia o jogo. Abaixo podemos reproduzir essa incrível partida.
Bobby ainda venceria as partidas
de números 8, 10, 13 e 21 para fazer impressionantes 12,5-8,5 e sagrar-se o
indiscutível campeão mundial de xadrez. Tornou-se uma estrela tão brilhante que
levou a uma disseminação do jogo sem precedentes pelos quatro cantos do
planeta. Ele realmente imergiu nos confins dos livros de xadrez e decifrou
as mais complexas combinações. Dominou a arte como ninguém. Sua capacidade
mental era tão impressionante que folheava os livros de estratégia, como numa
leitura dinâmica, e acompanhava as partidas anotadas como se as
estivesse observando no tabuleiro em tempo real. Fazia ainda parte de seu
treinamento a prática contínua de esportes; seu preferido era o boxe.
Anatoli Karpov (direita) recebendo o título de Campeão Mundial de Xadrez de 1975. |
Mas talvez o período mais
marcante da vida de Bobby Fischer tenha sido aquele após a conquista do título
mundial e sua desistência em defendê-lo em 1975 contra o então jovem campeão
soviético de 24 anos Anatoli Karpov. Após uma série de novas exigências e
desentendimentos com a FIDE, Fischer não
compareceu ao match e Karpov ficou com o título mundial. Desde
então, o mundo pôde tristemente presenciar a queda vertiginosa de seu ídolo,
tomado por paranoia e extremismo religioso. David Shenk, autor do livro The Immortal Game: A History of Chess, participou do excelente
documentário Bobby Fischer contra o mundo, onde declarou: "Tentamos
antecipar o que nosso oponente pode fazer [...]. Um bom jogador de xadrez é
paranoico no tabuleiro, mas essa paranoia na vida real não funciona muito
bem." O maior potencial do xadrez, o primeiro ocidental em
anos a assumir a hegemonia do xadrez havia se afundado em tantos
pensamentos obsessivos e manias de perseguição que sua mente não tinha mais
espaço para jogar xadrez. Descendente de judeus, tornou-se inveterado
antissemita, isolou-se do mundo e não mais jogou. Nos anos seguintes à
conquista do título mundial Bobby Fischer foi de jovem gênio a velha lenda.
Zita Rajcsanyi |
Boris Spassky (esquerda) e Bobby Fischer no rematch de 1992. |
Bobby Fischer aos 64 anos. |
É bem provável que sua doença e genialidade funcionassem como gêmeos siameses; um não poderia viver sem o outro.
O neurologista Kari Stefansson trouxe um argumento interessante ao assunto:
"A maioria de nós pensa dentro de limites relativamente estreitos. Mas, ocasionalmente, um indivíduo consegue ‘sair da caixa'. Essas são as pessoas que
fazem novas descobertas, são os criativos. Mas, [também] ocasionalmente, torna-se
difícil retornar à caixa. [...] Não acho que Bobby poderia ter sido tão
criativo, tão extraordinário, sem ser extraordinário em outros
aspectos." Ele viveu para o xadrez durante 23 anos e deixou um legado
imortal: suas maravilhosas partidas. Talvez o maior sentimento que hoje vigore
nas mentes dos apreciadores desta arte/ciência, dos fãs angariados pelo fenômeno
que foi o jogador Bobby Fischer, não é o da emoção das batalhas que
protagonizou nos tabuleiros do mundo inteiro, mas o da frustração pelo muito que
ele ainda poderia ter alcançado.