Quando um projeto bate à nossa
porta, quando temos o sonho ou inspiração para realizar algo, é muito bom, no
meio do caminho, encontrarmos pessoas sintonizadas com nosso propósito. Isso
facilita a jornada. Mas em raras, e admiráveis, ocasiões pessoas e lugares são
capazes de superar nossas expectativas e nos acrescentar algo de extraordinário,
que nos toca o âmago de forma tão surpreendente que aumenta o encantamento com
a paisagem da jornada.
Há algum tempo não escrevo para a
Coluna do Rei, em parte devido às minhas atividades profissionais, mas também
pela falta de um “Graal” que oferecesse a inspiração certa para realizar a
tarefa. Eu funciono desta forma e os temas para o blog vêm de momentos. O Graal
para esta postagem já "rumina" em minha cabeça há alguns meses. Iniciei o
manuscrito num caderno de anotações que uso para rascunhar ideias que me surgem
de tempos em tempos e acabei não terminando devido às demais urgências que então
surgiram. Nos últimos dias, aproveitando o tempo de férias, revirei minha
escrivaninha para decidir o material que levaria para o descanso da praia;
nessa época minha mente sempre encontra a tranquilidade necessária para
desenvolver projetos paralelos. Durante a arrumação, folheei meu velho caderno de
anotações e encontrei um esboço que escrevi em maio de 2013, época de meu
“renascimento” enxadrístico. O que chamo de renascimento é na verdade uma
retomada do interesse pelo assunto depois de muitos anos sem ler nada a
respeito ou evoluir em quaisquer de suas raízes teóricas. Durante os anos de
minha inércia enxadrística joguei regularmente, na maioria das vezes tendo como adversários
meu pai, irmãos e alguns raros amigos. Mas estudar xadrez depois dos 20 anos de
idade foi um tanto difícil com toda a estrada da consolidação profissional pela frente.
Penso que esta seja uma encruzilhada encarada pela maioria dos jovens
praticantes deste e outros esportes em algum momento de suas vidas.
Mencionei em artigos anteriores
do blog que minha relação com o xadrez é longínqua. Meus irmãos e eu aprendemos
xadrez com meu pai e a prática nunca ultrapassou anseios maiores do que
confraternizações domésticas regadas a gostosas partidas; nunca pretendi, nem é
minha atual intenção, ser jogador profissional. Ainda assim, o jogo sempre me
fascinou e despertou o interesse de forma inconstante, porém intensa. Qualquer
objeto relacionado exposto na vitrine de uma loja, um tabuleiro ou peça de
decoração, livros e até novidades em softwares nunca passaram despercebidos aos
meus olhos. Estes sempre foram capazes de trazer a tona uma atmosfera
inexplicável para voltar a praticar e estudar o jogo. Quando o rei parecia meio
adormecido surgia algo, ou alguma situação, que acionaria meu “botão de
interesse”. Numa família de amantes de xadrez, um recém-entusiasmado é mais que
suficiente para contagiar a todos de forma quase epidêmica. É fascinante a
forma como acontece e todos começam a ler e praticar de forma quase obsessiva.
Muitas vezes EU sou o estopim. Outras, meu irmão ou meu pai. De onde quer que
parta o raio da ignição, o efeito segue em cascata incrível.
Minha última hibernação para
estudos de xadrez terminou na Páscoa de 2013, quando passei o feriado no que eu
costumo chamar de minha tríade paradisíaca pessoal, as cidades capixabas de Guarapari,
Vila Velha e Vitória. O feriado planejado em família coincidiu com a realização
do primeiro Aberto do Brasil, Copa
Cidade de Vitória de Xadrez. Quando soube disso, não foi difícil dividir o
tempo entre as manhãs nas praias guaraparienses e as tardes/noites como
espectador de xadrez classe A no requintado Quality Hotel, próximo ao aeroporto
da capital capixaba. Era como degustar a típica moqueca da região e de quebra
poder saborear aquela sobremesa deliciosa e inesperada. Uma combinação
perfeita! Eu estava suficientemente fora de forma para não ousar
enfrentar tamanhos enxadristas de nível e apenas saboreei os jogos dos mestres,
brasileiros e internacionais, que atenderam à organização do evento. Foi
através desta gostosa atmosfera que minha vontade de retornar às leituras de xadrez
veio à tona mais uma vez.
Ambiente mais propício não
poderia ter encontrado em qualquer outro torneio. Assim como o xadrez, a cidade
de Vitória é paixão antiga. Além da natureza mágica que abençoa esta terra
capixaba, o fator humano sempre fez toda a diferença na minha predileção por
estas cidades. Assim o foi nos dias em que acompanhei o torneio. Não posso
deixar de ressaltar a cordialidade e gentileza oferecidas pelo presidente da Federação Espírito Santense de Xadrez
(FESX), Jonair Pontes,
responsável direto pela organização e, certamente, pelo tom de excelência do
evento. Um verdadeiro “gentleman”.
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Jonair Pontes e Everaldo Matsuura, campeão da primeira edição do evento. |
Quando me apresentei como velho entusiasta
do jogo, da cidade de Campos dos Goytacazes, RJ, Jonair logo me indagou: E não vai jogar? Ele deve ter achado no
mínimo curioso que um fluminense estivesse tão interessado no torneio a ponto
de passar quase todos os dias do evento com a filmadora ligada registrando as
partidas e acontecimentos paralelos da competição. E foi isso mesmo que fiz.
Registrei tudo o que pude e ainda pretendo incluir em minha agenda a edição das
melhores imagens num clipe resumo do torneio. O clima era tão agradável e
sereno, na presença de tantos bons enxadristas, que me sentia numa galeria de
arte apreciando grandes artistas esculpindo obras-primas. Os atores daquela
fina peça enxadrística não poderiam ter se encaixado melhor no momento de meu
retorno à prática do xadrez. Como não admirar a serenidade e educação do Grande
Mestre (GM) Everaldo Matsuura, diretamente proporcional à sua competência nos
tabuleiros.
Meu irmão costuma dizer que para calibrar seu jogo antes de uma disputa
ele gosta de assistir a partida de um GM. Pude conferir ao vivo sua teoria enquanto observava mestres
de grande categoria e tentava sugar um pouco de seus cacoetes de gente grande do
xadrez. Esse nível de xadrez, AO VIVO, é fantástico!
Foi ainda notável poder admirar
a beleza simples das partidas de jogadores de menor “rating” e outros mestres
da superação física. Estes, apesar de não poderem ver ou andar com seus olhos e
pernas físicas, conseguiram completar verdadeiras maratonas mentais. Este,
especificamente, é um assunto que gostaria de poder abordar em postagens
futuras, tamanha a admiração que me angariaram as PESSOAS QUE FAZEM O XADREZ.
Pude ter com muitas delas e sentir suas apreciações singulares pelo jogo dos
reis. As pessoas são realmente um espetáculo a parte. Com muitas delas,
independentemente do “rating”, aprendemos mais do que com os mestres
propriamente ditos. Mas o clima para se apreciar nuances tão sutis foi muito
bem estabelecido por Jonair e sua equipe. A eles agradeço pela experiência tão
agradável que coroou aquele meu retorno ao interesse do xadrez.
Esta semana recebi com muita satisfação
um e-mail do próprio Jonair convidando para a segunda edição do evento. Certamente
um caminho aberto para mais uma experiência notável e que recomendo a todos os
leitores deste blog. Abaixo divulgo o link para o “folder” completo do evento.
Cheers!